Cheguei à conclusão que sou neurótico. O que já pode ser percebido pelo início deste texto e o restante da argumentação. Ainda bem que neurose não tem qualquer relação com doença mental. Ufa! Pelo menos não sou maluco. Ainda não. Quem sabe um dia. Na minha consulta ao Dr. Google sobre o assunto, descobri que tenho transtorno ansioso, também conhecido como ansiedade neurótica, que se expressa em sintomas cardiovasculares, sudorese e opressão no peito; e tensão muscular exagerada, espasmos e tremores.
Pois bem, quando sou acometido por esta ansiedade neurótica a minha perna começa a tremer de forma incontrolável e uma pressão no peito às vezes faz com que eu sinta falta de ar.
Antes que alguém pense que eu, de vez em quando, fique no mesmo estado perturbado do rei Saul, ou que tudo isso exija a minha participação em um “encontro poderoso” para a libertação dessa opressão, quero adiantar que considero tudo isso crendice popular gospel e macumba evangélica. Portanto, comigo não cola.
Além disso, neurose tem “cura”, assim como o diabetes. Na verdade, tem controle. Neste aspecto eu tenho duas coisas a controlar, a neurose e a diabetes, com a qual convivo desde os 10 anos de idade. Novamente, nada dessa piada, no estilo humor negro evangélico, em dizer que eu tenho maldição hereditária que precisa ser quebrada ou encosto a ser afastado, porque “diabete” é a mulher do “diabo”.
Acho que agora eu vou escandalizar geral: essa minha ansiedade neurótica se manifesta justamente dentro da igreja, durante o culto, no momento em que alguém está pregando ao púlpito, ao longo de certas pregações.
Antes que você conclua que eu preciso ser “ungido com óleo” e passar por uma “corrente de libertação”, irei explicar o motivo dessa neurose.
Há alguns meses eu tive a grata satisfação de acessar, através de textos publicados nos blogs Voltemos ao Evangelho1 2 e I-Pródigo3, as páginas do Ministério 9 Marcas4 5 6 que tratavam da pregação teologicamente bíblica. Também pude ler argumentações em favor da sã doutrina7, que aliada à revelação de Cristo em toda a Escritura Sagrada, formam os fundamentos para o adequado entendimento da Bíblia e a eficaz pregação expositiva.
Uma excelente referência foi o artigo de Dario de Araújo Cardoso8 que defendia a necessidade da abordagem cristocêntrica dos textos biográficos do Antigo Testamento. Deveríamos olhar para as pessoas retratadas na Bíblia não apenas como exemplos de moralidade ou de conduta reprovável, mas cujas histórias se encaixam dentro de uma história maior, a revelação do plano de redenção elaborado por Deus, que culminou em Jesus Cristo. Assim, deveríamos todos, crentes que leem a Bíblia e pregadores, atentar para a chave hermenêutica bíblica: “Cristo não é apenas o tema central e principal das Escrituras, mas é, sobretudo, o tema de toda a Escritura”, de forma que “todo sermão realmente bíblico se desenvolverá de forma a apresentar Jesus Cristo aos ouvintes”.
Com base nestes textos reveladores e ajustadores da minha conduta, sugeri à liderança da igreja local que pensasse na possibilidade de abordar esses temas na nossa Escola Bíblica Dominical. Graças a Deus, a ideia foi comprada e tivemos duas saudáveis manhãs para sermos ensinados como compreender melhor a Bíblia, fundamentados em três pilares, resumidos a seguir:
1) Toda as Escrituras falam a respeito de Jesus Cristo (João 5.39, 46; Lucas 24.25-27; Atos 2.29-32; 3.18,24; 26.22-23) – O Messias é revelado ao longo da Bíblia, e como estudantes ou pregadores temos o dever de encontrar o Salvador e sua obra nos textos do Antigo e do Novo Testamento;
2) A sã doutrina é encontrada no evangelho (1 Timóteo 1.8-11) – Trata-se do conjunto de princípios que servem de base para a regra de fé, comportamento e norma de conduta social, obtidos a partir da compreensão da revelação bíblica da pessoa e obra do Pai, da pessoa e obra do Filho, da pessoa e obra do Espírito Santo. Ou seja, como devo agir dentro e fora da igreja diante daquilo que a Bíblia revela por meio do evangelho;
3) A teologia bíblia enxerga a Bíblia unificada em torno do evangelho – Trata-se do entendimento que a Bíblia é o relato autobiográfico de Deus, da sua missão pessoal de resgate para restaurar um mundo perdido por meio de seu Filho. Desta forma, mesmo não desconsiderando os estilos dos textos (histórico, poético ou profético), o momento histórico ou a cultura local, o relato bíblico transcende tudo isso porque estes aspectos se encaixam na revelação progressiva do plano de redenção dos escolhidos de Deus. Assim, a Bíblia passa muito longe do discurso motivacional. O glorioso evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Romanos 1.16), com ênfase em poder de Deus.
A partir daqueles dois dias de Escola Bíblica eu fiquei mais neurótico do que antes. Percebi o quanto é ridiculamente fácil manipular as emoções das pessoas e a partir de uma falação recheada de palavras de efeito e até frases de para-choque de caminhão, promover um discurso vazio, sem Cristo, que poderia ter sido feito por qualquer um desses palestrantes motivacionais contratados por empresas. Percebi o quanto este discurso deixa o crente comum extremamente satisfeito. O povo gosta disso.
Curioso foi notar que uma irmã que tinha saído por um instante, antes do professor começar a dar um exemplo de como seria uma pregação sem teologia bíblica, ao voltar no meio daquela falação empolgante, do apelo, atos proféticos e da música que foi cantada no final, começar a dar “glória a Deus” pelo que ouvia, dizendo: “Eu recebo”.
Meus amigos, como é fácil preparar um sermão assim. E como é difícil para quem passou a vida inteira ouvindo sermões como estes, perceber o quanto é infrutífero tal discurso. Quão grande é a luta para pregar o verdadeiro evangelho nos nossos dias. Simplesmente e poderosamente o evangelho transformador, capaz de fazer nova criação (2 Coríntios 5.17).
Hoje, a minha ansiedade neurótica se manifesta toda a vez que eu ouço um discurso vazio, humanista, psicológico, sociológico e motivacional. Toda vez que percebo que bastaria pegar um palestrante de empresas e colocá-lo sobre o púlpito em substituição do pregador, que o discurso seria o mesmo, com a única diferença que o palestrante não usaria a Bíblia para sustentar sua fala.
Interessante são as alcunhas que alguns dão a essa “pregação psicologizada”. Certa vez eu ouvia o programa de uma rádio evangélica, quando o pastor disse que iria dar uma “palavra pastoral” para a aflição da ouvinte e começou a dar conselhos no estilo “pregação psicologizada”, a ponto de me fazer pensar até que ele estava lendo um texto escrito pela Zora Yonara.
Meus irmãos, se a nossa pregação em nada diferenciar-se dos discursos budistas, taoistas, kardecistas, esotéricos, hinduístas ou humanistas, para nada serve, a menos para ser pisada pelos porcos. Na pregação bíblica há o poder de Deus para a transformação do homem, porque trata do maior problema da humanidade, o pecado e a necessidade de um Salvador substitutivo. Isso vale tanto para a conversão quanto para a caminhada cristã. Digo isso porque há crentes que acreditam que, uma vez convertidos, não precisam mais da mensagem da cruz.
Hoje em dia minha ansiedade neurótica é percebida quando ouço pregações totalmente moralistas, desprovidas de conteúdo bíblico e que usam o texto Sagrado apenas como mote para falar de coisas que passam muito longe da graça. Assim, ao perceber que o pregador lê sobre um personagem do Antigo Testamento e olha para os bons e maus exemplos da vida desta pessoa para tirar dali estratégias de como o crente deve ou não deve viver, como pode vencer os problemas da vida, tudo isso sem olhar para o plano de redenção, sem olhar para as doutrinas da graça, sem olhar para a própria graça salvadora, em um discurso do homem para o homem, com o nome Jesus totalmente dispensável, minha perna começa a tremer, sinto uma pressão no peito e falta de ar.
Sim, ultimamente tenho sido acometido pela neurose.
Por Erlon Reis
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