sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A PRÁTICA DO JEJUM - PARTE 1



TEXTO (MATEUS 6.16-18)
16. Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. 17. Tu, porém, quando jejuardes, unge a cabeça e lava o rosto, 18. com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

·         INTRODUÇÃO
Meus amados irmãos, quando nos propomos a estudar um assunto como o jejum, devemos nos precaver contra inúmeros mal-entendidos. Especificamente, existem dois extremos quanto ao jejum. De um lado, estão aqueles que afirmam que o jejum é uma obrigação para o crente em nossos dias. Afirma-se que, “crente que não jejua não é consagrado, não recebe o batismo com o Espírito Santo” e outras coisas mais. Nessa fileira estão os nossos irmãos pentecostais e carismáticos. Interessantemente, eles estão aliados ao catolicismo romano, que enxerga o jejum como algo imprescindível e obrigatório para o cristão. Por exemplo, no catolicismo, o jejum é algo ordenado como possuindo várias funções: 1) como forma de preparação para a pessoa receber a comunhão: “A fim de se prepararem convenientemente para receber esse sacramento, os fiéis observarão o jejumprescrito em sua Igreja” (§1387)[i]; 2) como forma do sacramento da penitência (§1434,1438)[ii]; e 3) como mandamento expresso, possuindo caráter obrigatório: “O quarto mandamento (‘Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja’) determina os tempos de ascese e penitência que nos preparam para as festas litúrgicas; contribuem para nos fazer adquirir o domínio sobre nossos instintos e a liberdade de coração” (§2043).[iii] Eu creio que foi exatamente contra esse tipo de postura[iv] que o apóstolo Paulo se pronunciou em 1 Timóteo 4.1-3: “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade”.

Um agravante entre muitos evangélicos, é que eles acabam tratando o jejum como uma espécie de “varinha de condão”, uma espécie de poder mágico[v], uma moeda de troca para barganhar com Deus favores pessoais. Por exemplo, uma pessoa que jejua porque deseja receber uma promoção no emprego, passar em um concurso ou em um vestibular. Muitos disfarçam o uso equivocado do jejum sob o rótulo “resposta de oração”. A exortação é a seguinte: “Se você quer uma bênção, então jejue!”. Meus irmãos, isso é perigoso, pois “no momento em que começarmos a dizer: ‘Porquanto faço isto, obtenho aquilo’, isso significará que teremos começado a controlar a bênção divina. Isso é um insulto a Deus, violando a grande doutrina de Sua soberania final”.[vi] Isso está errado, pois a pessoa acha que a eficácia está no jejum! “Quando jejuamos, não devemos crer no jejum, e sim em Deus”.[vii]Precisamos ter muita cautela com aqueles que dizem que o jejum é algo obrigatório para o discípulo de Jesus Cristo ou que o tratam como um ritual mágico.

O outro extremo fica por conta da maioria dos protestantes que, negligenciam quase que inteiramente o jejum. Existem algumas razões para tal negligência. Em reação ao catolicismo e ao pentecostalismo, os protestantes acabam negligenciando a prática do jejum. Pensam que, porque o jejum não é expressamente ordenado nas Sagradas Escrituras, então, não se deve jejuar de forma alguma. Martyn Lloyd-Jones afirma que, “tendemos a cair no extremo oposto, deixando inteiramente de lado o jejum, em nossas considerações e em nossa prática diária”.[viii] Outra razão para a atual negligência do jejum é o fato da grande indiferença que as pessoas, mesmo os evangélicos têm para com Deus e os assuntos espirituais. Porque as pessoas têm Deus como algo insignificante, como um acessório para suas vidas, tudo aquilo que está associado a Ele, bem como com o cultivo de uma vida piedosa perde a sua importância diante das pessoas. Um homem chamado Edward Farrell afirmou o seguinte sobre isso: “Quase em toda parte e em todos os tempos, o jejum sempre ocupou um lugar de grande destaque, visto que ele se encontra estreitamente relacionado com o profundo senso religioso. Talvez isso explique a negligência do jejum em nosso tempo. Quando o significado de Deus diminui, o jejum desaparece”.[ix] Um pastor chamado Richard Foster afirmou que em um período de quase cem anos nem mesmo um único livro sobre jejum foi escrito.[x]

Há ainda uma terceira razão para a atual negligência em relação ao jejum. A nossa superexposição à ideia de que temos necessidade de várias refeições durante o dia. Foster fala sobre esse problema:
A propaganda com a qual somos alimentados continuamente convence-nos de que, se não tivermos três refeições fartas todos os dias, com diversos petiscos nos intervalos, ficaremos à beira da inanição. Somando-se a isso a crença popular de que é uma virtude satisfazer cada um dos apetites humanos, o jejum tornou-se obsoleto.[xi]

Contrariamente a tudo isso, queridos irmãos, a Bíblia apresenta o jejum como algo benéfico e também como algo válido para os cristãos dos dias de hoje. Faríamos bem em examinar o que ela ensina sobre essa disciplina maravilhosa. A Bíblia apresenta uma longa lista de personagens que praticaram o jejum: Moisés, Davi, Elias, Ester, Daniel, a profetisa Ana (Lucas 2.36,37), João Batista, Paulo, Jesus[xii] e os cristãos da igreja primitiva. Igualmente, muitos dos cristãos notáveis da história da Igreja jejuavam e davam testemunho de seu valor. Entre eles, estão Agostinho, bispo de Hipona[xiii], Martinho Lutero[xiv], João Calvino[xv], John Knox, John Wesley[xvi], Jonathan Edwards[xvii], David Brainerd[xviii], Charles Spurgeon[xix] e Ashbel Green Simonton.

·         EXPOSIÇÃO
I – DEFINIÇÃO DE JEJUM
Muitas vezes, o jejum é definido meramente como abstenção de comida, ou de comida e bebida, por um período específico de tempo. “No jejum, nós nos abstemos de alimentos e, não raro, também de líquidos”.[xxiv] Richard Foster define o jejum como “abstenção de comida por motivos espirituais”.[xxv]

Acontece que jejum não diz respeito apenas a comida e a bebida. A questão não é o alimento em si. De acordo com John Piper, “a questão engloba qualquer coisa e todas as coisas que poderiam ser um substituto para Deus”.[xxvi] Lloyd-Jones diz que o jejum “não deve confinar-se à questão de alimentos sólidos e líquidos; pelo contrário, o jejum, na realidade, deveria incluir a abstinência de qualquer coisa, legítima em si mesma, tendo-se em vista algum propósito espiritual especial”.[xxvii]Isso significa, meus amados irmãos, que mesmo coisas boas, muitas vezes podem servir como obstáculo para o cultivo de uma intimidade maior com o Senhor; podem acabar ocupando o lugar de Deus.

O jejum envolve também abstenção programada de coisas como sexo entre pessoas casadas (1 Coríntios 7.5). Muitos comentaristas afirmam que a disposição de Abraão em sacrificar o seu filho Isaque se configura como uma espécie de jejum, pois Abraão “preferiu a Deus à vida de seu filho”.[xxviii] Com isso em mente, podemos ter a convicção de que, jejum não é o confisco do mal, mas sim o confisco daquilo que é bom, o confisco do bem.

O nosso foco está, especificamente, no jejum como abstenção de comida e, em alguns casos, de bebida, durante um determinado período. No entanto, extrairemos alguns princípios úteis para toda e qualquer abstenção que desejarmos fazer por amor a Deus.

II – O ENSINO BÍBLICO SOBRE O JEJUM
2.1. No Antigo Testamento
2.1.1. A Psicologia do jejum
Algo interessante nas páginas do Antigo Testamento é a psicologia do jejum, isto é, as emoções que o acompanhavam. Por exemplo, alguns casos são apresentados em que o jejum foi praticado não como expressão de adoração a Deus, mas motivado por sentimentos e emoções violentas, como inveja, ira e aborrecimento: “E assim o fazia ele de ano em ano; e, todas as vezes que Ana subia à Casa do SENHOR, a outra a irritava; pelo que chorava e não comia” (1 Samuel 1.7); “Pelo que Jônatas, todo encolerizado, se levantou da mesa e, neste segundo dia da Festa da Lua Nova, não comeu pão, pois ficara muito sentido por causa de Davi, a quem seu pai havia ultrajado” (1 Samuel 20.34); “Então, Acabe veio desgostoso e indignado para sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jezreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, voltou o rosto e não comeu pão” (1 Reis 21.4). No entanto, meus irmãos, esse tipo de abstinência de comida não tem nada de religioso.

Frequentemente, o jejum aparece nas Escrituras como uma expressão de aflição espiritual, como se a pessoa que o pratica quisesse dizer á deidade: “‘Eu sou penitente; eu não sou superior e poderoso. Você não precisa afligir-me mais’”.[xxix] O sentimento do que jejua é como um apelo à piedade da deidade. Davi é representativo aqui: “Respondeu ele: Vivendo ainda a criança, jejuei e chorei, porque dizia: Quem sabe se o SENHOR se compadecerá de mim, e continuará viva a criança?”(2 Samuel 12.22).

2.1.2. As ocasiões e condições do jejum
É preciso agora, queridos irmãos, compreendermos as ocasiões em que o jejum era praticado no Antigo Testamento. O jejum foi ordenado por Deus para ser praticado obrigatoriamente uma vez por ano. Isso deveria ocorrer no Dia da Expiação: “Isso vos será por estatuto perpétuo: no sétimo mês, aos dez dias do mês, afligireis a vossa alma e nenhuma obra fareis, nem o natural nem o estrangeiro que peregrina entre vós. Porque, naquele dia, se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o SENHOR” (Levítico 16.29,30; cf. 23.27-32; Números 29.7; Jeremias 36.6). Apesar nem o verbo nem o substantivo para jejum e abstinência ocorram aqui, alguém “afligir a alma” significa abster-se de alimento. Vejam como o salmista Davi disse que afligia a sua alma: “Quanto a mim, porém, estando eles enfermos, as minhas vestes eram pano de saco; eu afligia a minha alma com jejum e em oração me reclinava sobre o peito”(Salmo 35.13). Vejam também a pergunta dos israelitas descrentes acerca do efeito do jejum praticado por eles: “Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? Por que afligimos a nossa alma, e tu não o levas em conta?” (Isaías 58.3a; cf. v. 5). Deve ser entendido que a pergunta deles não possuía a humildade existente naqueles que desejam realmente aprender. Como afirma Raymond C. Ortlund Jr., “era apenas uma forma de descarregar sua frustração com Deus. Eles achavam que Deus estava sendo injusto”.[xxx] De qualquer forma, percebam como “afligir a alma” sempre está relacionado com a prática do jejum.

Aqui o jejum é praticado como parte de uma grande contrição e tristeza por causa do pecado cometido contra o Senhor. O grande problema é que essa prática deveria ser espontânea, e não algo mecânico. Os judeus perverteram o propósito de Deus quanto ao jejum praticado no Dia da Expiação. Os israelitas começaram a jejuar meramente para conseguir obter o favor de Deus quanto a interesses pessoais: “... Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para contendas e rixas e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim como hoje, não se fará ouvir a vossa voz no alto” (Isaías 58.3b,4). Por exemplo, na época de Jesus, os fariseus jejuavam duas vezes por semana (segundas e quintas-feiras). E eles faziam isso mecanicamente. A sua intenção era fazer mais do que a Lei mandava, para ver se conseguiam ter justiça própria de sobra. Entretanto, Jesus contou uma parábola sobre dois homens: “Um disse: ‘eu jejuo duas vezes por semana’. O outro disse: ‘Ó Deus, sê propício a mim, pecador’. Somente um desceu para sua casa justificado (Lucas 18.12-14)”.[xxxi] Os fariseus jejuavam não para afligirem suas almas por causa dos seus pecados, mas apenas para serem vistos pelos homens.

Nesse contexto de confissão de pecados, o jejum deveria funcionar apenas como um sinal visível de uma realidade invisível; um sinal exterior de algo que acontecia no interior do jejuador. Isso fica claro no livro do profeta Joel: “Ainda assim, agora mesmo, diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns. Com choro e com pranto. Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal” (Joel 2.12,13).

Extraordinariamente, o jejum também era praticado em tempos de profunda aflição. Algumas vezes esse jejum era público, outras vezes era privado. As ocasiões eram as seguintes: 1) Guerra ou ameaça de guerra (Juízes 20.26; 1 Samuel 7.6); 2) Doenças (2 Samuel 12.16ss; Salmo 35.13); 3) Luto (1 Samuel 31.13; 2 Samuel 1.12); e 4) Perigo iminente (Esdras 8.21; Ester 4.3,16).

Acrescenta-se a isso, o fato de que, o jejum sempre era acompanhado de oração. Nunca ninguém jejuava sem orar durante o período em que se abstinha dos alimentos.

2.2. No Novo Testamento
2.2.1. A prática do jejum no Novo Testamento
Quando voltamos os nossos olhos para o que o Novo Testamento afirma sobre a prática do jejum, a única diferença que podemos encontrar entre ele e o Antigo Testamento, é que no Novo nós não encontramos nenhum mandamento específico para dias de jejum. Não existe nenhuma promulgação de dias de jejum no Novo Testamento.

Isso quer dizer, então, que, a partir do Novo Testamento o jejum deixa de ser algo válido? De maneira nenhuma! O Novo Testamento toma o jejum como algo praticado sempre pelos discípulos de Jesus Cristo. Nós podemos encontrar vários exemplos de pessoas jejuando no Novo Testamento: 1) Jesus: “A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome” (Mateus 4.1,2); 2) Paulo[xxxii] e Barnabé: “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (Atos 14.23); 3) a Igreja reunida: Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram (Atos 13.1-3); 4) a profetisa Ana: “... Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações” (Lucas 2.37).

Contudo, as palavras mais importante a respeito da continuidade do jejum para os dias posteriores ao Novo Testamento, foram pronunciadas pelo próprio Senhor Jesus Cristo, em Mateus 9.14,15: “Vieram, depois, os discípulos de João e lhe perguntaram: Por que jejuamos nós, e os fariseus muitas vezes, e teus discípulos não jejuam? Respondeu-lhes Jesus: Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar”. Estas palavras de Jesus sobre o jejum são extraordinárias. Elas deixam claro que o jejum é algo esperado dos discípulos de Cristo nos dias de hoje, após a sua ascensão aos céus. Richard Foster afirma que, “talvez essa seja a afirmação mais importante feita no Novo Testamento sobre ser ou não o jejum um dever para os cristãos de hoje”.[xxxiii]

2.2.2. Os usos do jejum no Novo Testamento
Na nova administração do Pacto três usos do jejum recebem destaque: 1) para a piedade pessoal (Mateus 6.16-18); 2) para a eleição, ordenação e instalação da liderança da Igreja (Atos 14.23); e 3) para a ardente expectativa da volta de Cristo (Mateus 9.14,15).

Creio que este último seja o ponto mais importante do ensino do jejum no Novo Testamento. John Piper define o jejum como “uma expressão física do desejo ardente do coração pela volta de Jesus [...] Jesus relaciona o jejum cristão com o nosso anelo pelo retorno do Noivo”.[xxxiv] A Igreja é como uma noiva que, ao sentir grandes saudades do seu noivo, deixa até de comer, entregando-se, assim, à saudade e ao desejo. Esse deve ser o nosso maior motivador para nos aplicarmos ao jejum privado. Jesus assume que o jejum está intimamente relacionado com o desejo que os seus discípulos trazem em seu coração acerca da sua volta. Então, nós temos um indexador do nosso desejo pelo retorno do nosso Noivo. O jejum é uma constante em nossas vidas? Se sim, isso significa que o nosso coração tem uma ardente saudade do nosso Noivo. Por outro lado, se não damos o mínimo valor para a prática do jejum, isso, tristemente, indica que o nosso coração não está abrasado de saudades do nosso Noivo, o Senhor Jesus Cristo. Mais uma vez, a afirmação de John Piper chega a ser dolorosa: “A quase universal ausência de jejum pela volta do Senhor é uma testemunha de nossa satisfação com a presença do mundo e a ausência do Senhor. Isso não deveria ser assim”.[xxxv] O significado do jejum é um coração faminto por Deus!

A prática do jejum coletivo na Igreja neotestamentária diz respeito a assuntos de grande importância, como a escolha de sua liderança. Isso se depreende da passagem de Atos 14.23. É necessário proclamar dias de jejum solene quando o futuro da Igreja estiver em jogo. Jejuns públicos e coletivos não devem ser marcados sem nenhum propósito. Nesse ponto, a Confissão de Fé de Westminster é clara:
A leitura das Escrituras, com santo e piedoso temor; a sã pregação e o consciencioso ouvir da Palavra, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência; o cântico de salmos com graça no coração; e bem assim a devida administração e o digno recebimento dos sacramentos instituídos por Cristo – são todos partes do culto religioso ordinário oferecido a Deus, além dos juramentos e votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, que devem, em seus diversos tempos e estações, ser usados de uma forma santa e religiosa.[xxxvi]

A conclusão à qual nós podemos chegar é que, a Escritura promove sim a prática do jejum, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. A grande pergunta à qual nos voltamos agora é a seguinte: COMO JEJUAR? O que devemos fazer e o que devemos evitar na prática cristã do jejum? Voltemos agora ao nosso texto inicial: Mateus 6.16-18.


[i] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA: Edição revisada de acordo com o texto oficial em Latim, (São Paulo: Loyola, 2002), 384.

[ii] Ibid, 395,396.

[iii] Ibid, 537.

[iv] Isso porque o erro combatido pelo apóstolo Paulo, em 1 Timóteo 4.3, era uma forma embrionária de Gnosticismo, que adotava o dualismo persa. Tal forma de gnosticismo é denominada por Hendriksen como “gnosticismo asceta”. Cf. William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, (São Paulo: Cultura Cristã, 2001), 184. Calvino relaciona alguns grupos heréticos, como por exemplo, os encratistas, cujo nome é derivado do grego “continência”, ostacianistas, os cataristasMontano e finalmente os maniqueus, “que sentiam extrema aversão por carne como alimento e pelo matrimônio, e condenavam ambos como sendo profanos”. Cf. João Calvino, Comentário à Sagrada Escritura: As Pastorais, (São Paulo: Paracletos, 1998), 109.

[v] Encaixa-se aqui o grande herege Charles Finney. Ele usava o jejum como uma forma de garantir o recebimento de poder do alto. Sempre que percebia que o poder divino o abandonava, ele separava um dia para jejum e oração, de maneira que o poder era, então, renovado. Eis o seu testemunho: “Eu saía e fazia visitas e achava que não tinha causado nenhuma impressão salvadora. Eu exortava e orava com o mesmo resultado. Eu então separava um dia para jejum e oração em particular, temendo que esse poder me abandonasse, e inquiria ansiosamente qual era a razão dessa aparente vacuidade. Depois de me humilhar e chorar por socorro, o poder retornava sobre mim com todo o seu frescor. Essa tem sido a experiência da minha vida”. Citado em John Piper, Fome por Deus, (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), 109.

[vi] D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, (São José dos Campos: Fiel, 1999), 327.

[vii] Luciano Subirá, Compreendendo o Jejum Biblicamente, 3. Artigo eletrônico.

[viii] D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, 322.

[ix] Citado em John Piper, Fome por Deus, 13.

[x] Richard Foster, Celebração da Disciplina, (São Paulo: Vida, 2007), 83.

[xi] Ibid, 84.

[xii] Deve ser observado que Jesus jejuou por quarenta dias, quando da ocasião da sua tentação no deserto. No entanto, ele e seus discípulos foram criticados por não jejuarem (Mateus 9.14,15; Marcos 2.18,19; Lucas 5.33-35), como observa J. P. Lewis in Merrill C. Tenney (Org.), Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, Vol. 3, (São Paulo: Cultura Cristã, 2008), 399. Isso parece ser um claro indicativo de que, para Jesus, embora o jejum seja esperado dos cristãos, ele não deve se constituir numa norma fixa, mas sim algo feito com extrema liberdade.

[xiii] Nas suas famosas Confissões, Santo Agostinho fala um pouco sobre a sua prática do jejum ao contrapô-la com o desejo por comer e beber: “Mas por ora esta necessidade me é grata, e luto contra essa delícia, para que não me domine; é uma guerra cotidiana que sustento com jejum, reduzindo meu corpo à escravidão”. Cf. Santo Agostinho, Confissões, (São Paulo: Martin Claret, 2002), 238.

[xiv] John Piper cita um sermão pregado pelo Reformador alemão, baseado em Mateus 4.1, em 1524: “A respeito do jejum eu digo o seguinte: é correto jejuar frequentemente a fim de subjugar e controlar o corpo [...] Mas a pessoa não deve jejuar com vistas a merecer alguma coisa por isso como por boas obras”. John Piper, Fome por Deus, 199.

[xv] Na edição de 1541 das Institutas, Calvino entende que o jejum é uma prática associada ao arrependimento. Ele escreve o seguinte sobre a aplicação atual do jejum: “Os pastores atuais não fariam mal se, toda vez que vissem aproximar-se alguma calamidade, de guerra, de fome ou peste, fizessem ver a seu povo que seria bom orar ao Senhor com choro e jejum; desde que se fixassem no principal, que é quebrantar ou romper os corações e não a roupa. Pois é certo que nem sempre o jejum vem com o arrependimento, mas essa prática convém particularmente aos que querem declarar que reconhecem que merecem a ira de Deus e, contudo, pedem o seu perdão por sua clemência”. Cf. João Calvino, As Institutas: Edição especial com notas para estudo e pesquisa, Vol. 2, V.10, (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), 136. Na edição de 1559, Calvino dedica um longo trecho à consideração acerca da prática do jejum. Eis um trecho: “Em suma, pode-se admitir assim: sempre que surgem controvérsias acerca da religião, a qual precisa ser decidida ou em um sínodo ou em um tribunal eclesiástico, sempre que se trata de eleger um ministro, enfim, sempre que se discute alguma coisa difícil e de grande importância; por outro lado, quando aparecem os juízos da ira do Senhor, como pestilência, guerra e fome, esta é uma santa e salutar ordenança em todos os séculos: que os pastores exortem o povo ao jejum público e orações extraordinárias”. Cf. João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, Livro 4, XII, 14, (São Paulo: Cultura Cristã, 2003), 234. Edição eletrônica.

[xvi] John Wesley, num sermão intitulado Causes of Inefficacy of Christianity, disse uma frase que se tornou famosa: “O homem que nunca jejua não está em situação diferente, com relação à sua jornada para o céu, do homem que nunca ora”. Citado em John Piper, Fome por Deus, 205.

[xvii] Jonathan Edwards era incisivo quanto ao jejum ser praticado por ministros do Evangelho. Ele escreveu o seguinte em Thoughts on the Revival of Religion in New England: “Nós que somos ministros, não só temos necessidade de um pouco da verdadeira experiência da influência salvífica do Espírito de Deus em nossos corações, mas nós necessitamos de uma porção dobrada em um tempo como este. Precisamos ser cheios de luz como um vidro colocado sob o sol; e, com respeito ao amor e zelo, precisamos ser como os anjos que são chamas de fogo. O estado dos tempos requer uma plenitude do Espírito divino nos ministros, e não deveríamos dar a nós mesmos nenhum descanso até que obtivéssemos isso. E, para fazer isto, eu penso que os ministros, acima de todas as pessoas, deveriam estar muito mais em oração e jejum, em secreto e uns com os outros. Parece-me que seria favorável às atuais circunstâncias, que os ministros de uma vizinhança se encontrassem frequentemente, e gastando dias em jejuns e oração fervorosa entre eles, buscando suprimentos extraordinários da graça divina dos céus”. Cf. Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards, Vol. 1, (Grand Rapids, MI: Christian Classics Ethereal Library, 2002), 1458,1459.Extraído do site http://www.ccel.org/ccel/edwards/works1.html. Minha tradução.

[xviii] Existem alguns registros no diário de David Brainerd que mostram como era constante a sua prática do jejum. No dia 30 de junho de 1742 ele escreveu: “Passei o dia sozinho no bosque, em jejum e oração; experimentei os mais temíveis conflitos de alma”. Em 20 de abril de 1743, Brainerd escreveu: “Separei este dia para jejum e oração, inclinando minha alma diante de Deus com o fim de receber mais de sua graça, sobretudo para que toda a minha aflição espiritual e inquietude interior fossem santificadas para a minha alma”. No dia 10 de novembro do mesmo ano temos mais um registro: “Passei este dia sozinho, em jejum e oração”. Cf. Jonathan Edwards, A Vida de David Brainerd entre os Índios, (São José dos Campos: Fiel, 2005), 34,50,60.

[xix] Eis o testemunho de Spurgeon: “Os nossos períodos de jejum e oração no Tabernáculo têm sido realmente dias sublimes; nunca o portão dos céus estivera tão largamente aberto; nunca os nossos corações estiveram tão perto da glória celestial”. Citado em Edward McKendree. Bounds,Poder Através da Oração, (São Paulo: Batista Regular, s/d), 12. Edição eletrônica extraída do sitehttp://www.monergismo.com.

[xxiv] Dallas Willard, O Espírito das Disciplinas, (Rio de Janeiro: Danprewan, 2003), 189.

[xxv] Richard Foster, Celebração da Disciplina, 85.

[xxvi] John Piper, Fome por Deus, 18.

[xxvii] D. Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, 325.

[xxviii] John Piper, Fome por Deus, 19.

[xxix] J. P. Lewis in Merrill C. Tenney (Org.), Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, 396.

[xxx] Raymond C. Ortlund Jr., Isaías: Deus Salva Pecadores, (Rio de Janeiro: CPAD, 2009), 487.

[xxxi] John Piper, Fome por Deus, 9.

[xxxii] Paulo ainda afirma o seguinte sobre a sua prática de jejum: “Pelo contrário, em tudo recomendamo-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns” (2 Coríntios 6.4,5); “em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez” (2 Coríntios 11.27). Esta última referência, possivelmente, se trate de algo não religioso, mas sim de caráter circunstancial, devido aos sofrimentos impostos sobre Paulo.

[xxxiii] Richard Foster, Celebração da Disciplina, 90.

[xxxiv] John Piper, Fome por Deus, 91.

[xxxv] Ibid, 93.

[xxxvi] A. A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A. A. Hodge, (São Paulo: Os Puritanos, 1999), 377.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Como ser Cheio do Espírito Santo

John Piper


Como beber o vinho de Deus?
Efésios 5:18 diz: "E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito". Há, pelo menos, quatro efeitos de ser cheio do Espírito. Primeiramente, o versículo 19 mostra que o efeito é musical: "...falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor". É evidente que a alegria em Cristo é a característica peculiar de ser cheio do Espírito.
Mas não somente alegria. No versículo 20, encontramos a gratidão: "Dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo". Gratidão perpétua, gratidão por tudo resulta de ser cheio do Espírito - e essa gratidão tem como alvo o vencer a murmuração, o descontentamento, a autocompaixão, a amargura, o queixume, a carranca, a depressão, a inquietação, o desânimo, a melancolia e o pessimismo!
Mas os efeitos não são apenas alegria musical e gratidão por tudo; há também a submissão de amor às necessidades uns dos outros - "sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo". Alegria, gratidão e amor humilde - essas são algumas das marcas de ser cheio doEspírito.
Poderíamos acrescentar um quarto efeito: ousadia no testemunho cristão. Podemos ver isto com mais clareza em Atos 4:31: "Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus". Nenhum crente deixará de ser ousado e zeloso no testemunho, se o Espírito Santo estiver produzindo nele alegria transbordante, gratidão perpétua e amor humilde. Oh! Como precisamos ser cheios do Espírito! Procuremos esse enchimento! Busquemo-lo!
No entanto, há uma pergunta crucial: como podemos buscá-lo? Comecemos com a analogia mais próxima: "Não vos embriagueis com vinho... mas enchei-vos do Espírito" (v. 18). Como você se embriaga com o vinho? Você o bebe... em grande quantidade. Então, como ficaremos embriagados (cheios) com o Espírito? Bebamos dEle! Bebamos em profusão. Paulo disse: "A todos nós foi dado beber de um só Espírito" (1 Coríntios 12:13). Jesus disse: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, doseu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito" (João 7:37-39).
Como podemos beber do Espírito Santo? Paulo disse: "Porque os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito, [cogitam] das coisas do Espírito" (Romanos 8:5). Bebemos do Espírito cogitando das coisas do Espírito. O que significa "cogitar" das coisas do Espírito"? Colossenses 3:1-2 afirmam: "Buscai as coisas lá do alto... Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra". "Pensar" significa "procurar, dirigir a atenção para, preocupar-se com". Significa "ser dedicado a" e "absorvido com". Portanto, beber do Espírito significa buscar as coisas do Espírito, dirigir a atenção às coisas do Espírito, dedicar-se às coisas do Espírito.
Quais são "as coisas do Espírito"? Quando Paulo disse: "Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus" (1 Coríntios 2:14), estava se referindo aos seus próprios ensinos inspirados pelo Espírito (1 Coríntios 2:13) - especialmente seus ensinos a respeito dos pensamentos, planos e caminhos de Deus (1 Coríntios 2:8-10). Então, "as coisas do Espírito" são os ensinos dos apóstolos a respeito de Deus. Jesus também disse: "As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida" (João 6:63). Logo, os ensinos de Jesus também são "as coisas do Espírito".
Portanto, beber do Espírito significa cogitar das coisas do Espírito. E cogitar das coisas do Espírito significa dirigir nossa atenção aos ensinos dos apóstolos a respeito de Deus e às palavras de Jesus. Se fizermos isso por bastante tempo, ficaremos embriagados com oEspírito. De fato, ficaremos viciados no Espírito. Em vez de dependência química, desenvolveremos uma maravilhosa dependência doEspírito Santo.
Mais uma coisa: o Espírito Santo não é como o vinho, porque Ele é uma pessoa e livre para ir e vir aonde quer que deseje (João 3:8). Por isso, temos de acrescentar Lucas 11:13. Jesus disse aos seus discípulos: "Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?" Se queremos ser cheios do Espírito, temos de pedir isso ao nosso Pai celestial. E foi isso que Paulo fez pelos crentes de Éfeso. Ele pediu ao Pai celestial que aqueles crentes fossem "tomados [cheios] de toda a plenitude de Deus" (Efésios 3.19). Beba do Espírito e ore. Beba do Espírito e ore. Beba do Espíritoe ore.

Fonte: Ministério Fiel 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Perder a salvação, como assim? E o "De Modo Nenhum o Lançarei Fora?"



É comum ouvir muitos testemunhos de crentes que afirmam ser possível perder a salvação em Jesus, mas será que é realmente possível perder a salvação? Onde podemos encontrar nas Escrituras bases para essa afirmação? A ideia de que a salvação do crente está por um triz me causa grande espanto, pois compromete o atributo da soberania de Deus, como também causa grande insegurança e confusão a respeito da vida eterna do crente. Será que os nomes dos filhos de Deus foram escritos no Livro da Vida com lápis e borracha? Deus faz uso de liquid paper?

O problema dessa ideia é que esta desqualifica o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade, pois Ele é o principal responsável pela regeneração (o Novo Nascimento de João 3), conversão e santificação. O cristão é a propriedade de Deus. Deus ungiu, portanto Ele é a única garantia do cristão (2 Co 1.21,22; Fp 2.13). 

Outro problema é que também distorce o verdadeiro sentido da graça de Deus. Paulo declara firmemente que somos salvos pela graça, por meio da fé; e isso não vem de nós; é dom de Deus (Efésios 2.8-9). É necessário considerar que a palavra "graça" significa "favor imerecido". A salvação não é por meritocracia humana. No entanto, a fé é produzida por Deus para que o crente graciosamente seja salvo. Por diversas vezes, Paulo afirma que a salvação é um dom (presente) de Deus. Portanto, não depende do pecador a sua salvação, visto que Deus também não depende do homem para realizar sua obra salvífica. "A salvação vem do Senhor" (Jn 2.9). Agindo Deus quem O poderá impedir? 

Mais um problema desse ensino é desqualificar a veracidade das palavras de Jesus, pois Ele mesmo falou abertamente sobre a impossibilidade de suas ovelhas escaparem de suas mãos: "...eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas; e elas me conhecem; assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor" (João 10.14-16). "Todo o que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei... E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que Ele me deu..." (João 6.37;39). Jesus declarou que Ele e o Pai fariam morada no crente regenerado (João 14.16-18). Portanto, a salvação é um poderoso milagre e, como cristãos, somos trinitarianos.

As Escrituras jamais abrem precedentes para que a salvação do pecador esteja ao alcance do próprio pecador, ou que uma vez que Deus o tenha atraído graciosa e irresistivelmente seria possível perder a salvação. A salvação dos crentes está protegida, até porque nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Na carta aos Romanos, Paulo escreveu que nada nem ninguém poderá separar os eleitos do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm 8.39).

Quando se trata de salvação é necessário levar em conta a soberania de Deus. Pode parecer uma ilustração irônica, mas pensar na possibilidade de perder a salvação é o mesmo que acreditar que Deus escreveu o nome dos seus próprios filhos com uma borracha em mãos e que está disposto a apagar em casos de desvio de conduta ou falhas. Isso faria dEle um déspota moralista e um ser tirano. Se Deus fosse assim, não seria soberano, nem teria o controle da sua obra. Se os líderes e pastores que ocupam os púlpitos de muitas igrejas tivessem cuidado a esse respeito, evitariam conflitos ou contradições em seus sermões. Somos feitura dEle (Ef 2.10)! Pensar dessa maneira também abre precedentes para que a salvação seja pelas obras do homem, não pela graça. Como se a salvação estivesse nas mãos dos homens.  Ora, se perder a salvação fosse possível estaríamos atestando um tremendo contra-senso bíblico e Paulo estaria errado quando declara que os dons de Deus são irrevogáveis (Romanos 11.29). A salvação pertence a Deus do início ao fim! (Filipenses 1.6)

Até entendo que esse assunto cause receio de que as pessoas pensem não possuir responsabilidade alguma perante Deus, porém isso não deve nos preocupar tanto, pois a doutrina da Soberania de Deus não exime o crente de suas responsabilidades (Fp 2.12,13). O crente genuíno se santifica em Deus. Ele ora, estuda a Palavra, testemunha e com ajuda do Espírito viverá uma vida piedosa neste mundo. Porque quando o pecador é alcançado pela graça de Deus, seus olhos são abertos, ele entra no Reino de Deus (João 3), seus sentidos espirituais e a presença do pecado são aguçados. O crente salvo em Jesus é possuído pela presença de Deus. O crente regenerado muda de dentro para fora. Sua maneira de viver é um reflexo da obra que o Espírito Santo está realizando desde o ato da regeneração. É como se um escravo fosse liberto, um morto ressuscitasse, um mendigo fosse convidado para um banquete na presença da pessoa mais importante do seu país. Paulo disse que o amor de Deus é constrangedor. Era nessa perspectiva que viviam os crentes no livro de Atos. Eles não davam desculpas para viver pecando, eles não brincavam no abismo do pecado. O estilo de vida dos cristãos do primeiro século era admirável. 

João Calvino foi um grande reformador e defendeu vigorosamente a doutrina da predestinação, mas ele mesmo jamais aprovou qualquer atitude que invalidasse a responsabilidade humana. O crente salvo não se torna libertino, pois ama o seu Senhor e Salvador e deseja agradá-lo, mesmo que isso custe a sua própria vida. A pergunta para as pessoas que ingressam na igreja e depois de algum tempo retornam à prática do pecado é: realmente foram regeneradas? Houve salvação? Passaram pelo Novo Nascimento (Jo 3.3; Jo 5.12; 1 Jo 2.18,19)? Ovelhas vivem no aprisco e seguem a voz do Bom Pastor. No caso dos porcos, eles podem até ser bem cuidados, mas desejarão viver no chiqueiro, não se adaptarão ao aprisco e nem compreenderão a voz de um pastor, pois não é da sua natureza. Cedo ou tarde, quem não é salvo se manifestará (1Jo 2.19). Houve conversão genuína, ou uma experiência superficial com a religião evangélica? Deus no ato da salvação não produz adeptos, prosélitos nem simpatizantes. Deus nos transforma em filhos da obediência. O crente em Jesus é livre do poder do pecado.

Sendo assim, pelo que sei Deus não usa liquid paper nem borracha, tendo em vista sua soberana vontade. Ele é o Autor e Consumador da nossa fé. E diante de tantas inseguranças em relação ao amor de Deus e confusões teológicas, só nos resta replicar as palavras benditas do nosso Senhor e Salvador Jesus na versão RA: "DE MODO NENHUM O LANÇAREI FORA"!

Soli Deo Glória


Anderson M. Lamarão

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Método de Estudo Bíblico de A. W. Pink

“Nos meus primeiros anos eu assiduamente segui este triplo caminho:
Em primeiro lugar, eu lia toda a Bíblia três vezes por ano (oito capítulos do Antigo Testamento, e dois do Novo Testamento diariamente). Eu constantemente perseverei nisso durante dez anos, a fim de me familiarizar com o conteúdo, que só pode ser alcançado através de consecutivas leituras.
Em segundo lugar, eu estudei uma porção da Bíblia a cada semana, concentrando-me por dez minutos (ou mais) todo dia na mesma passagem, pensando na ordem dela, na ligação entre cada afirmação, buscando uma definição dos termos importantes, olhando todas as referências marginais, procurando seu significado típico.
Terceiro, eu meditei sobre um versículo a cada dia, escrevendo-o sobre um pedaço de papel na parte da manhã, memorizando-o, consultando-o em alguns momentos ao longo do dia; pensando separadamente em cada palavra, pedindo a Deus para revelar para mim o seu significado espiritual e para escrevê-la no meu coração. O versículo era o meu alimento para aquele dia. Meditação é para a leitura como a mastigação é para o comer.
Quanto mais alguém seguir o método acima mais deve ser capaz de dizer:
‘A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho. “[Sl 119: 105].’“
- A.W. Pink
Retirado de Reformed Voices, tradução própria.
Fonte: Voltemos ao Evangelho

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Escolhi pregar expositivamente


Em 1994 fui para o Instituto Bíblico de Rondônia, ali iniciei os meus estudos teológicos. Então, comecei a pregar com preparo acadêmico ao aprender a normas e estruturas da homilética, entretanto, a ênfase era o modelo de sermão temático. Na época apenas li superficialmente acerca da pregação expositiva, e não conhecia nenhum pastor que pregasse deste modo. O sermão temático é fácil de preparar exigindo a imaginação e um simples jogo de palavras a partir do tema de um texto da Escritura. Mas sempre me causou insatisfação, sabendo que eu correria o risco de dizer algo que não estava no texto, ou até mesmo de pregar algo que não era o texto.

Durante os meus estudos no STPJMC recebi nova ênfase homilética. Desta vez, a pregação expositiva foi ensinada e exigida nas avaliações de prática de pregação. Li pelo menos três livros sobre pregação expositiva, pois não havia muita coisa em português, e os modelos pregadores brasileiros que eu conhecia eram ainda mais escassos. Terminei a minha graduação convencido que deveria pregar sermões expositivos, mas a prática não estava clara. Eu não sabia direito como isso poderia ser feito.

Após dois anos de pastorado pregando sermões temáticos abandonei este método. Quando decidi pregar expositivamente como parte permanente do meu ministério, não iniciei repentinamente. Primeiro comecei explicando à igreja que pastoreava, os motivos de doravante pregar expositivamente. Também expliquei que faria análises de textos continuados, e não apenas textos isolados a cada Domingo. Em cada sermão comecei a oferecer o contexto histórico, da intencionalidade do autor, da problematização dos destinatários e analisando a estrutura gramatical do texto no esforço de extrair o significado original que o autor inspirado quis comunicar. Confesso que algumas vezes tive receio de estar fazendo errado, e como pastoreava uma igreja do interior de Rondônia, e tinha pouco contato com o meio acadêmico bem como os grandes centros, tive que tentar descobrir e seguir as complicadas orientações que os autores de homilética ofereciam. Ainda continuo lendo, ouvindo, vendo acerca de sermões expositivos e atentamente aprendendo com pregadores que estão comprometidos com este método.

Se você ainda não se decidiu quanto a se prega ou não expositivamente, permita-me neste artigo sugerir que repense acerca da possibilidade de comprometer-se com a pregação expositiva.

Motivos práticos para pregar expositivamente

Posso elencar pelo menos três motivos para se pregar expositivamente: 1) pastoral, 2) exegético e, 3) homilética. Em breves sentenças farei algumas considerações para que você possa refletir e, o faço na esperança de que você assuma este compromisso. A minha intenção é compartilhar algumas sugestões de como fazer algo, que apesar da ampla divulgação recebida, ainda percebo dúvidas e erros no processo do fazer.

Algumas dicas pastorais

1. A direção do Espírito de Deus é vital para que o pregador exponha e aplique a Escritura Sagrada na igreja local. Ao escolher o que pregar, e isto não significa apenas um texto isolado, o pregador carece discernir que alimento deve entregar ao rebanho. Esta necessidade, seja de natureza preventiva ou corretiva, precisa ser identificada com santo discernimento e oração. O pregador que teme ao Senhor, também anseia por ser-lhe fiel, e ao mesmo tempo por amor e zelo, deseja ensinar e corrigir persuadindo os seus ouvintes acerca da vontade de Deus.

2. O pastor trabalha para que a igreja sob seus cuidados seja saudável. Para isto o seu sermão é fogo santo, pão do céu e poder de Deus para comunicar graça aos que ouvem, persuadir os que duvidam e fazer calar os que se opõe ao evangelho de Cristo! Tamanha tarefa não pode ser realizada superficialmente! Deste modo aconselho: ore, ore e ore! Estude, estude e estude! Sob o perigo de ainda assim, ser encontrado inapto para tão grandiosa tarefa. Este compromisso somos chamados para cumpri-lo dominicalmente diante de pessoas que estão sob o nosso cuidado.

3. É uma atitude irresponsável não ter um plano de pregação. Como relatei antes de ser persuadido da necessidade da pregação expositiva, iniciei meus dois primeiros anos de ministério pastoral pregando sermões temáticos. Confesso que cheguei algumas vezes próximo de 1 hora antes de começar o culto e não sabia o que pregaria naquela noite! Pregando expositivamente, especialmente livros inteiros, tenho o texto definido meses com antecedência oportunizando-me tempo para pesquisa, meditação e compreensão estrutural do livro. Outro aspecto prático é perceber que os membros interagem comigo no preparo do sermão, fornecendo dicas de leitura ou ilustrações de situações relacionadas ao texto que serão pregados na sequência.

Algumas dicas exegéticas

1. Eu poderia iniciar aqui pressupondo que você aprendeu a fazer exegese. Se você o sabe, perdoe-me se minhas dicas parecerem primárias, assim, peço que tenha paciência e continue lendo. Estas sugestões têm basicamente o intuito de ser um “como fazer”, e escrevi pensando em seminaristas, pastores inexperientes e pregadores leigos que desejam aperfeiçoar-se na honrada tarefa da pregação.

2. Ok, sigamos então selecionando o livro ou porção das Escrituras. Leia-o todo, e faça isso repetidas vezes, até que seu conteúdo esteja claro em sua mente e consiga resumi-lo em sentenças curtas.

3. Seja diligente em fazer a reconstrução do contexto histórico. Ao ler o texto a data, local, autoria, as circunstâncias, aspectos geográficos, político, culturais, etc. precisam estar vívidos em sua mente. Caso não possa adquirir manuais de introdução sobre o AT ou NT, tenha à mão uma Bíblia de Estudo de Genebra, porque ela oferece na parte introdutória de cada grupo de livros e em cada livro estas informações.

4. Descobrir o ensino intencional do autor é o objetivo do pregador. O que determina significado no texto é responder: o que ele quis dizer? Em havendo, qual problema atacava? Bem como qual dúvida ele esclarecia. E ainda o que ensinou neste texto aos seus leitores? Estruturalmente deve-se observar como do primeiro ao último versículo ele desenvolve o seu raciocínio. Isto resume ao abordar cada passagem qual era a interação do autor em relação aos seus destinatários no contexto original.

5. As conjunções devem ser respeitadas na divisão das perícopes a serem pregadas. E quando possível deve-se observá-las ao fazer as divisões do seu sermão. Estas divisões não são arbitrárias, mas direcionadas pela estrutura gramatical do próprio texto. Se o pregador tem noções gramaticais da língua original isto facilita muito, se não tem, então observe como as traduções mais recentes têm seguido as divisões das perícopes conforme a estrutura do idioma original.

6. No texto escolhido identifique as palavras-chaves ou expressões características do autor e como elas reforçam seu argumento. Verifique se ele recorre aos mesmos argumentos em outros livros que escreveu.

7. Faça a ponte da exegese para a homilética. A verdade descoberta exegeticamente precisa ser afirmada homileticamente. Em outras palavras, você precisa preparar frases tão curtas quanto possível, que resumam a ideia do autor, e fazer isso o mais didático possível. Neste ponto recomendo enfaticamente que você leia um livro de homilética, ou converse com um pregador experiente em como fazer isso. Não se esqueça: na pregação expositiva a estrutura homilética a ênfase do autor precisa ser colocada em relevo apontando a sequência do seu raciocínio em todo o livro.

8. Caso o pregador não domine a gramática das línguas originais recorra às diferentes versões. Entretanto, sempre é recomendável verificar como os tradutores percebem nuanças semânticas ou variações por causa da sintaxe ou da etimologia das línguas originais. Este recurso além de enriquece o conteúdo do sermão, também dinamiza a formulação das divisões do sermão.

Algumas dicas homiléticas

1. Por causa da inexperiência não corra o risco de se frustrar ou entediar seus ouvintes com exageros. Se você decidiu pregar expositivamente e não sabe como iniciar, sugiro que escolha pregar em pequenas porções, livros ou epístolas pequenas. Permita-me ser mais claro: não inicie preparando a sua série expositiva de sermões em livros como Isaías, Ezequiel, Jeremias, Provérbios, ou em Romanos, 1 Coríntios, Hebreus, pelo contrário, a humildade e a sensatez previnem e nos levam a pensar em começar com porções menores como os Dez Mandamentos, algum dos profetas menores, as Bem-aventuranças, ou mesmo todo o Sermão do Monte, Judas, Tiago, etc. Lembre-se se você não tem a experiência, nem a igreja local tem o costume de ouvir sermões, tome cuidado para não estragar algo tão bom por falta de tato pastoral.

2. Acompanhado o estudo de toda porção ou livro, identifique a estrutura dos assuntos. Isto pode ser verificado de dois modos: 1) Na introdução de cada livro da Bíblia de Estudo de Genebra há uma estrutura do conteúdo de todo o livro. Ou, 2) veja como as versões modernas trazem indicadores das divisões naturais. Aqui você saberá no seu planejamento quantos sermões pregará apenas subdividindo as perícopes.

3. Não comece cada sermão apenas pedindo para abrir no texto da sequência como algo mecânico. A introdução do sermão tem evocar a atenção, e convergir os pensamentos do público para a mensagem do texto. Há pregadores expositivos que entendiam os seus ouvintes no início do sermão, pois pensam que pregar lectio continua, ou seja, sequenciado texto após texto do mesmo livro dispensa uma introdução que apresente a relevância do sermão.

4. Lembre-se que um sermão expositivo não é mero comentário exegético do texto. Por vezes a pregação expositiva é antes de tudo um SERMÃO, e abrange todos os seus elementos essenciais. Alguns pregadores expositivos deixam de recorrer à proposição (chamadas por alguns de ideia homilética) e também pensam erroneamente ser dispensável o uso de divisões. Seja didático, você está instruindo e o modo como se faz a fixação da mensagem é importante. A fidelidade não dispensa a clareza.

5. Extraía do texto quais verdades ou princípios são ensinados e contra que pecados são aplicados. Aplique-os de modo prático, com linguagem que não desconsidere a inteligência nem a simplicidade dos seus ouvintes. A aplicação é uma das mais presentes falhas nos pregadores, que se preocupam apenas de expor, explicar, apresentar a verdade, indicar os princípios, mas em geral, omitem em aplicar e nisto não ensinam os presentes a viver de modo prático a Palavra de Deus.

Quais são alguns benefícios de se pregar expositivamente?

1. Edificar crentes com mentes treinadas a raciocinar sistemática, estrutural e gramaticalmente quando estudam e meditam no texto bíblico. A começar com o pregador que numa autodisciplina aprende a estudar e preparar sermões metodicamente construindo uma teologia mais bíblica a partir da exegese, ao mesmo tempo membros que ouvindo estes sermões aprendem como estudar e analisar a Escritura Sagrada. Assim, quer explicita ou implicitamente, pelo exemplo da pregação expositiva, demonstrará como os membros sob seu pastoreio podem efetivamente examinar as Escrituras.

2. O pregador torna a aquisição de literatura criteriosamente seletiva. Todo pregador precisa ter uma biblioteca básica que lhe seja útil no preparo de sermões. Por isso, ele não comprará aleatoriamente todo livro que lhe seduz, e sim aqueles que diante das necessidades de pregar, e adicionar conteúdo possa somar e facilitar o preparo do sermão, dentre as muitas tarefas pastorais.

3. O preparo do sermão expositivo é um hábito saudável no ministério pastoral. Nunca deixará de ser trabalhoso, mas com o tempo a experiência habilitará o pregador a ter facilidade e a satisfação de fazê-lo com menos embaraços técnicos. Uma vez familiarizado com este método possivelmente o pregador não se interessará em expor a Escritura doutro modo.

4. Crie o hábito de ouvir pregadores expositivos. Há pregadores que atravessam o mundo para pregar, mas se indispõe em cruzar a rua para ouvir um sermão! Ouvindo os que sabem fazer é um excelente recurso para se aprender. Atualmente na internet há vídeos de como preparar sermões expositivos. Após ler este artigo acesso-os e continue aprendendo!