É comum ouvir muitos testemunhos de crentes que afirmam ser possível perder a salvação em Jesus, mas será que é realmente possível perder a salvação? Onde podemos encontrar nas Escrituras bases para essa afirmação? A ideia de que a salvação do crente está por um triz me causa grande espanto, pois compromete o atributo da soberania de Deus, como também causa grande insegurança e confusão a respeito da vida eterna do crente. Será que os nomes dos filhos de Deus foram escritos no Livro da Vida com lápis e borracha? Deus faz uso de liquid paper?
O problema dessa ideia é que esta desqualifica o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade, pois Ele é o principal responsável pela regeneração (o Novo Nascimento de João 3), conversão e santificação. O cristão é a propriedade de Deus. Deus ungiu, portanto Ele é a única garantia do cristão (2 Co 1.21,22; Fp 2.13).
Outro problema é que também distorce o verdadeiro sentido da graça de Deus. Paulo declara firmemente que somos salvos pela graça, por meio da fé; e isso não vem de nós; é dom de Deus (Efésios 2.8-9). É necessário considerar que a palavra "graça" significa "favor imerecido". A salvação não é por meritocracia humana. No entanto, a fé é produzida por Deus para que o crente graciosamente seja salvo. Por diversas vezes, Paulo afirma que a salvação é um dom (presente) de Deus. Portanto, não depende do pecador a sua salvação, visto que Deus também não depende do homem para realizar sua obra salvífica. "A salvação vem do Senhor" (Jn 2.9). Agindo Deus quem O poderá impedir?
Mais um problema desse ensino é desqualificar a veracidade das palavras de Jesus, pois Ele mesmo falou abertamente sobre a impossibilidade de suas ovelhas escaparem de suas mãos: "...eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas; e elas me conhecem; assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor" (João 10.14-16). "Todo o que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei... E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que Ele me deu..." (João 6.37;39). Jesus declarou que Ele e o Pai fariam morada no crente regenerado (João 14.16-18). Portanto, a salvação é um poderoso milagre e, como cristãos, somos trinitarianos.
As Escrituras jamais abrem precedentes para que a salvação do pecador esteja ao alcance do próprio pecador, ou que uma vez que Deus o tenha atraído graciosa e irresistivelmente seria possível perder a salvação. A salvação dos crentes está protegida, até porque nenhuma condenação há para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Na carta aos Romanos, Paulo escreveu que nada nem ninguém poderá separar os eleitos do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm 8.39).
Quando se trata de salvação é necessário levar em conta a soberania de Deus. Pode parecer uma ilustração irônica, mas pensar na possibilidade de perder a salvação é o mesmo que acreditar que Deus escreveu o nome dos seus próprios filhos com uma borracha em mãos e que está disposto a apagar em casos de desvio de conduta ou falhas. Isso faria dEle um déspota moralista e um ser tirano. Se Deus fosse assim, não seria soberano, nem teria o controle da sua obra. Se os líderes e pastores que ocupam os púlpitos de muitas igrejas tivessem cuidado a esse respeito, evitariam conflitos ou contradições em seus sermões. Somos feitura dEle (Ef 2.10)! Pensar dessa maneira também abre precedentes para que a salvação seja pelas obras do homem, não pela graça. Como se a salvação estivesse nas mãos dos homens. Ora, se perder a salvação fosse possível estaríamos atestando um tremendo contra-senso bíblico e Paulo estaria errado quando declara que os dons de Deus são irrevogáveis (Romanos 11.29). A salvação pertence a Deus do início ao fim! (Filipenses 1.6)
Até entendo que esse assunto cause receio de que as pessoas pensem não possuir responsabilidade alguma perante Deus, porém isso não deve nos preocupar tanto, pois a doutrina da Soberania de Deus não exime o crente de suas responsabilidades (Fp 2.12,13). O crente genuíno se santifica em Deus. Ele ora, estuda a Palavra, testemunha e com ajuda do Espírito viverá uma vida piedosa neste mundo. Porque quando o pecador é alcançado pela graça de Deus, seus olhos são abertos, ele entra no Reino de Deus (João 3), seus sentidos espirituais e a presença do pecado são aguçados. O crente salvo em Jesus é possuído pela presença de Deus. O crente regenerado muda de dentro para fora. Sua maneira de viver é um reflexo da obra que o Espírito Santo está realizando desde o ato da regeneração. É como se um escravo fosse liberto, um morto ressuscitasse, um mendigo fosse convidado para um banquete na presença da pessoa mais importante do seu país. Paulo disse que o amor de Deus é constrangedor. Era nessa perspectiva que viviam os crentes no livro de Atos. Eles não davam desculpas para viver pecando, eles não brincavam no abismo do pecado. O estilo de vida dos cristãos do primeiro século era admirável.
João Calvino foi um grande reformador e defendeu vigorosamente a doutrina da predestinação, mas ele mesmo jamais aprovou qualquer atitude que invalidasse a responsabilidade humana. O crente salvo não se torna libertino, pois ama o seu Senhor e Salvador e deseja agradá-lo, mesmo que isso custe a sua própria vida. A pergunta para as pessoas que ingressam na igreja e depois de algum tempo retornam à prática do pecado é: realmente foram regeneradas? Houve salvação? Passaram pelo Novo Nascimento (Jo 3.3; Jo 5.12; 1 Jo 2.18,19)? Ovelhas vivem no aprisco e seguem a voz do Bom Pastor. No caso dos porcos, eles podem até ser bem cuidados, mas desejarão viver no chiqueiro, não se adaptarão ao aprisco e nem compreenderão a voz de um pastor, pois não é da sua natureza. Cedo ou tarde, quem não é salvo se manifestará (1Jo 2.19). Houve conversão genuína, ou uma experiência superficial com a religião evangélica? Deus no ato da salvação não produz adeptos, prosélitos nem simpatizantes. Deus nos transforma em filhos da obediência. O crente em Jesus é livre do poder do pecado.
Sendo assim, pelo que sei Deus não usa liquid paper nem borracha, tendo em vista sua soberana vontade. Ele é o Autor e Consumador da nossa fé. E diante de tantas inseguranças em relação ao amor de Deus e confusões teológicas, só nos resta replicar as palavras benditas do nosso Senhor e Salvador Jesus na versão RA: "DE MODO NENHUM O LANÇAREI FORA"!
Soli Deo Glória
Anderson M. Lamarão