sábado, 27 de abril de 2013

Dez Motivos pelos quais Pastores Conservadores Costumam ter Igrejas Minúsculas





Sei que há exceções, mas elas não são muitas. A regra é que, aqui no Brasil, pastores e pregadores mais conservadores e reformados pastoreiam igrejas pequenas, entre 80 a 150 membros. Esse fato é notório e não poucas vezes tem sido usado como crítica contra a doutrina reformada. Se ela é bíblica, boa e correta, porque os seus defensores não conseguem convencer as pessoas disso? Por que suas igrejas são pouco frequentadas  não têm envolvimento missionário, não evangelizam, não crescem e têm poucos jovens?

Como eu disse, há exceções. Conheço igrejas reformadas que são dinâmicas, crescentes, grandes, evangelizadoras e missionárias. Conheço também outras menores, que crescem não pelo aumento do número de membros na sede, mas pela plantação de outras igrejas. Quando eu digo "igrejas minúsculas" refiro-me não somente ao tamanho, mas à visão, ao envolvimento na evangelização e missões e à diferença que fazem. Tenho em mente as igrejas que se arrastam na rotina de seus trabalhos, ensaios e cultos há dezenas de anos, sempre do mesmo tamanho diminuto, sem que gente nova chegue para fazer a diferença.

Consciente de que há igrejas reformadas grandes e crescentes, mas também consciente das muitas pequenas que não crescem faz muito tempo, em nenhum sentido, eu faria os seguintes comentários nesse post, que bem poderia ser intitulado de "Navalha na Carne":
1.     Infelizmente, ao rejeitar a idéia de que em termos de crescimento de igrejas os números não dizem tudo, muitos de nós, reformados, nos esquecemos de que eles, todavia, dizem alguma coisa. Podemos aceitar que está tudo bem e tudo certo com uma igreja local que cresceu apenas 1% nos últimos anos, crescimento em muito inferior ao crescimento da população brasileira e do crescimento de outras igrejas evangélicas? Especialmente em se tratando de uma igreja em um país onde os evangélicos não são perseguidos pelo Estado e as oportunidades estão escancaradas diante de nós?

2.     Igualmente infeliz é a postura de justificar o tamanho minúsculo com o argumento da soberania de Deus. É evidente que, como reformado, creio que é Deus quem dá o crescimento. Creio, também, que antes de colocar a culpa em Deus, nós, pastores reformados, deveríamos fazer algumas perguntas básicas: nossa igreja está bem localizada? O culto é acolhedor e convidativo? A igreja tem desenvolvido esforços consistentes e freqüentes para ganhar novos membros? A pregação tem como objetivo direto converter pecadores? A pregação é inteligível para algum descrente que por acaso esteja ali? Os membros da igreja estão possuídos de espírito evangelístico? Existe oração na igreja em favor da conversão de pecadores e crescimento do número de membros? Creio que muitos pastores reformados colocam cedo demais a responsabilidade do tamanho de suas igrejas em Deus, antes de fazer o dever de casa.

3.     É triste perceber que, em muitos casos, a soberania de Deus é usada como desculpa para não se fazer absolutamente nada em termos de esforço consciente para ganhar pessoas para Cristo. Que motivos Deus teria para querer que as igrejas reformadas fossem pequenas e que os anos se passem sem que novos membros sejam adicionados pelo batismo? Que motivos secretos levariam o Deus que nos mandou pregar o Evangelho a todo o mundo impedir que as igrejas locais reformadas cresçam em um país livre, onde a pregação é feita em todo lugar e onde outras igrejas evangélicas estão crescendo vertiginosamente? Penso que o problema da naniquice não está em Deus, mas em nós. Ai de nós, porque além de não crescermos, ainda culpamos a Deus por isso!

4.     É verdade que muitas igrejas evangélicas crescem usando estratégias e metodologias questionáveis. Especialmente aquelas da teologia da prosperidade, que atraem as pessoas com promessas de bênçãos materiais e curas que não podem cumprir. Todavia, criticar o tamanho dessas igrejas e apontar seus erros teológicos e metodológicos não nos justifica por termos igrejas minúsculas. O que nos impede de termos igrejas grandes usando os métodos certos?

5.     O problema com muitos de nós, pastores conservadores e reformados, é que não estamos abertos para mudanças e adaptações, nos cultos, nas atitudes e posturas, por menores que sejam, que poderiam dar uma cara mais simpática à igreja. Ser simpático, acolhedor, convidativo, atraente, interessante não é pecado e nem vai contra as confissões reformadas e a tradição puritana. Igrejas sisudas com cultos enfadonhos nunca foram o ideal reformado de igreja. Pastores reformados deveriam estar pensando em como fazer sua igreja crescer, em vez de se resignarem e racionalizarem em suas mentes que ter uma igreja pequena é OK.

6.     Os crentes fiéis que estão nas igrejas já por muitos e muitos anos também precisam de alimento e pastoreio. Que Deus me livre de desprezá-los. Sei que Deus pode chamar alguém para o ministério de consolar e confortar crentes antigos durante anos a fio, igreja pequena após igreja pequena. Mas vejo essa vocação como apenas uma pequena parte do ministério pastoral, quase uma exceção. O que me assusta é ver que essa exceção tem se tornado praticamente a regra no arraial conservador e reformado. Será que Deus predestinou as igrejas conservadoras e reformadas para serem doutrinariamente corretas mas minúsculas, e as outras para crescerem apesar da teologia e metodologia erradas? Será que ele não tem vocacionado os conservadores para serem ganhadores de almas, evangelistas, plantadores de igrejas e expansores do Reino? Será que a vocação padrão do pastor conservador é de ministrar a igrejas minúsculas ano após ano, sem nunca conhecer períodos de refrigério e grande crescimento no número de membros? Será que quando um pastor, que era um evangelista ardente, se torna reformado, sempre vai virar teólogo e professor?

7.     O que mais me assusta é que tem pastores reformados que se orgulham de ter igrejas nanicas! "Muitos são chamados e poucos escolhidos", recitam com satisfação. Orgulham-se de serem do movimento do "esvaziamento bíblico", em vez do "avivamento bíblico"! Dizem: "os verdadeiros crentes são poucos. Prefiro uma igreja pequena de qualidade do que uma enorme cheia de gente interesseira e superficial". Bom, se eu tivesse que escolher entre as duas coisas talvez preferisse a pequena mesmo. Mas, por que tem que ser uma escolha? Não podemos ter igrejas reformadas cheias de gente que está ali pelos motivos certos? Eu sei que a qualidade sempre diminui a quantidade, mas será que tanto assim?

8.     Nós, pastores reformados em geral, temos a tendência de considerar a sã doutrina o foco mais importante da vida da Igreja. Portanto, muitos de nós passam seu ministério inteiro doutrinando e redoutrinando seu povo nos pontos fundamentais da doutrina cristã reformada. Pouca atenção dão para outros pontos igualmente importantes: espiritualidade bíblica, vida de oração, evangelismo consciente e determinado e planejado. Acho que uma coisa não exclui a outra. Aliás, creio que a doutrinação bíblica sempre será evangelística, e que o evangelismo bíblico é sempre doutrinário. "Pregação", disse Spurgeon, "é teologia saindo de lábios quentes".

9.     Alguns pastores reformados ficam tão presos pela doutrina da depravação total que não sabem mais como convidar pecadores a crerem em Jesus Cristo. Temos medo de parecer arminianos se ao final da mensagem convidarmos os pecadores a receberem a Cristo pela fé, ou mesmo se, durante a pregação, pressionarmos as pessoas a tomarem uma decisão. O fantasma de Finney, o presbiteriano criador do sistema de apelos, assombra e atormenta os pregadores reformados, que chegam ao final da mensagem e não sabem como aplicá-la aos pecadores presentes sem parecer que estão fazendo apelação. Ficam com receio de parecerem pentecostais se durante a pregação falarem de forma mais coloquial, falar de forma direta às pessoas, se emocionarem ou ficarem fervorosos, ou mesmo se gesticularem demais e andarem no púlpito. Acho que se os pregadores reformados parecessem mais humanos e naturais, mais à vontade nos púlpitos, despertariam maior interesse das pessoas.
10. Creio, por fim, que ao reagirem contra os excessos do pentecostalismo quanto ao Espírito Santo, muitos reformados ficaram com receio de orar demais, se emocionar demais, jejuar, fazer noites de vigília, pregar nas praças e ruas e de pedirem a Deus que conceda um grande avivamento espiritual em suas igrejas. Só tem uma coisa da qual os reformados têm mais medo do que parecer arminianos, que é parecer pentecostais. Aí, jogamos fora não somente a água suja da banheira, mas menino e tudo! Acho que se houvesse mais oração e clamor a Deus por um legítimo despertamento espiritual, veríamos a diferença.
Pedi a alguns amigos meus, reformados, que criticassem esse post, antes de publicá-lo. Um deles me escreveu:
"Gostei mesmo. Me irrita o espírito de 'seita sitiada' tão comum em nosso meio [reformado]; a idéia de que a vocação da igreja é defender uma fortaleza. Somos rápidos para criticar, mas tão tardos em propor alternativas".
Acho que ele resumiu muito bem o ponto.
Não tenho respostas prontas nem soluções elaboradas para o nanismo eclesiástico. Todavia, creio que passa por um genuíno quebrantamento espiritual entre os pastores, que nos humilhe diante de Deus, nos leve a sondar nossa vida e ministério, a renovar nossos compromissos pastorais, a buscar a plenitude do Espírito Santo e a buscar a Sua glória acima de tudo.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Um encorajamento para todos os que pregam


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Por Steven J. Lawson

Longe de ser um professor de Bíblia apático, Calvino explicava as Escrituras de uma maneira viva e revigorante a ponto de estabelecer uma relação com seus ouvintes e causar grande impacto entre eles. Sua comunicação era vívida, memorável, clara, agradável e, às vezes, desafiadora ou até mesmo chocante. Sua pregação podia ter um tom pastoral ou profético. Além disso, a intensidade da concentração de Calvino atraía os ouvintes para suas palavras. Outros podem ter sido mais eloquentes, entretanto, ninguém foi mais compenetrado e cativante do que ele.

Quando Calvino falava, ele sempre estava atento para a “harmonia que deve existir entre a mensagem e o modo pelo qual ela é expressa”. Em outras palavras, ele acreditava que “o modo” — ou seja, a forma como ele falava — “não deveria corromper a mensagem” — ou seja, aquilo que ele dizia. Ao contrário, o método deveria confirmar a essência da mensagem. O estilo literário de Calvino, sua educação em ciências humanas, sua própria personalidade, sua inteligência, e seu momento único na história — estes e outros fatores transformaram seus sermões em belas obras de arte; em obras-primas da habilidade de interpretação.

Apesar de os pastores de hoje estarem mais preocupados com seu próprio estilo de pregação, Calvino ainda permanece como uma fonte de grande encorajamento. Embora não fosse, por natureza, tão talentoso quanto outros para falar em público, o reformador de Genebra conseguiu marcar sua geração, e até mesmo o mundo, através de seu ministério de pregação. Que os expositores tirem força do exemplo de Calvino, pois, no fim, aspectos intangíveis como uma profunda convicção da verdade e vivacidade concentrada na Palavra ainda triunfarão.

domingo, 21 de abril de 2013

Precisa-se de missionários. A quem enviarei?


Igrejas brasileiras estão abarrotadas, no entanto, muitos continentes ainda estão vazios do Evangelho. Por quê?



Precisa-se de missionários. A quem enviarei?
A Igreja Evangélica no Brasil cresceu mais que o dobro do ritmo da população durante mais de 20 anos, mostra estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se o crescimento constatado continuar, a população evangélica brasileira chegará a aproximadamente 55 milhões, até o final deste ano. E caso a ascensão permaneça, em 2022 a Igreja Evangélica alcançará 50% da população.

Diante dos números, que também podem ser percebidos nas esquinas com o surgimento de um novo templo a cada dia, ficam algumas questões muito importantes a serem, talvez não respondidas, mas ao menos, refletidas. Uma delas é: Por que, enquanto as igrejas brasileiras estão abarrotadas, muitos continentes ainda estão vazios do Evangelho?

Estima-se que todos os anos 2.5 milhões de pessoas morram sem sequer saber da existência da Palavra de Deus ou de Jesus Cristo.  Isso porque ainda têm aproximadamente 2.251 línguas sem um versículo bíblico traduzido. São cerca de 2.200 grupos étnicos que nunca ouviram nada sobre Jesus, 193 milhões de pessoas que não têm acesso algum às Escrituras. 

Procura-se missionários
A SEPAL (organização de apoio a pastores e líderes) mostra que há cerca de 80 organizações missionárias no País, mas o número de missionários brasileiros no campo transcultural é de pouco mais de 3 mil pessoas.

Segundo o Pastor Waldemar Carvalho, presidente da Missão Kairós, o povo brasileiro foi evangelizado “errado”. Como se nós, brasileiros, fôssemos os “confins da Terra” e não como se tivéssemos de ir até lá evangelizar, conforme ordenança de Jesus em Atos 1.8.

Somente em um "retângulo" do mapa, na chamada "janela dez por quarenta" (ilustração), está localizada mais da metade da população do mundo. A China com 1 bilhão e quatrocentos milhões de habitantes, Índia com 1 bilhão, Bangladesh com 145 milhões, sem mencionar os demais países  que somam outros bilhões de pessoas a serem evangelizadas. “Neste trecho do mapa foi onde aconteceu a chamada de Abraão, muitos episódios do Antigo Testamento, o local onde Jesus nasceu, treinou seus discípulos e para onde os enviou a evangelizar. Porém, nesta região em que até o século VII o cristianismo predominava, hoje é proibida a pregação do Evangelho. E cadê a Igreja Poderosa?! Precisamos obedecer o ‘ide’”, afirma o pastor Waldemar.
A Igreja Perseguida
Milhões de evangélicos brasileiros que vão à igreja constantemente, pregam em locais públicos, leem suas bíblias no ônibus, pensam que a perseguição, tortura e prisão dos cristãos ficaram apenas no livro de Atos. No entanto, o Coordenador de Viagens e Correspondentes Internacionais da “Missão Portas Abertas”, Homero das Chagas, faz um alerta fundamental. “Apenas 0,04% da Igreja brasileira está engajada na causa dos cristãos perseguidos. Isso significa que dentre os quase 50 milhões de cristãos brasileiros, só 25 mil envolvem-se no suporte, oração, doação e ajuda à Igreja Perseguida”.

Enquanto constroem-se prédios magníficos, eventos "gospel", debates doutrinários, existem centenas de cristãos pagando um preço de sangue, sendo massacrados, muitas vezes, em mais de 50 países do mundo onde há perseguição ao Evangelho. E mais de  2.5 milhões de pessoas morrendo anualmente sem conhecer o Salvador, que nós fomos comissionados a apresentar. Mas como ouvirão, se não houver quem pregue? A pergunta de Paulo em Romanos 10.14 se repete. Porém, a resposta "eis-me aqui", infelizmente, está cada vez mais rara.

Envolva-se
Se o Senhor tocou seu coração através desta matéria, participe, como bom soldado de Cristo, dos sofrimentos dos nos nossos irmãos perseguidos, 2 Timóteo 2.3. Saiba também que você pode, deve, foi chamado e capacitado para alcançar aqueles que nunca sequer ouviram o nome de Jesus. Veja abaixo algumas instituições missionárias no Brasil e envolva-se:

Missão Kairós: www.missaokairos.com.br
Missão Portas Abertas: 
www.portasabertas.org.br
Missões Mundiais: www.jmm.org.br 
Emad
www.emad.org.br
Jocum
www.jocum.org.br
Pés Formosos: www.pesformosos.com

Por: Paula Renata Santos

sábado, 20 de abril de 2013

Augustus Nicodemus - Corrupção das igrejas evangélicas neo pentecostais


O programa "Academia em Debate" da Universidade Presbiteriana Mackenzie discutiu sobre a corrupção nas igrejas, falando do mau uso do dinheiro vindo dos fiéis e da questão de isenção fiscal às denominações.

O reverendo Augustos Nicodemos Lopes é o apresentador do programa e esteve entrevistando o professor de ciência da religião Paulo Romeiro que com propriedade abordou o assunto expondo temas polêmicos e mostrando uma possível solução para tentar acabar com essa corrupção.


"Uma boa parte da igreja brasileira se tornou altamente corrupta", disse Romeiro. "As igrejas se tornaram muito criativas no levantamento de fundos, você vai encontrar uma campanha depois da outra, um objeto depois do outros", complementa o professor falando das trocas promovidas por grandes igrejas neopentecostais.


O professor não é contra a arrecadação das ofertas, mas critica a forma como esse dinheiro é coletado e administrado. Para ele as pessoas continuam indo nessas igrejas porque a corrupção está enraizada na sociedade brasileira.
"Existe uma cultura da transgressão", diz ele que acredita que o distanciamento dos valores bíblicos transformou a mensagem do Evangelho em autoajuda, sem a pregação da Cruz e dos valores cristãos.


Outro tema debatido no programa foi acerca da isenção de impostos para igrejas, a legislação brasileira cede esse benefício, pois essas instituições teriam caráter filantrópico, o que nos dias de hoje não ocorre mais. Tanto Nicodemus Lopes como Paulo Romeiro acreditam que é necessário rever essa isenção, pois as denominações se tornaram em negócios.


"O problema é que estão entregando o dinheiro da viúva pobre para enriquecimento próprio", disse o chanceler do Mackenzie. O problema da hierarquia também é tratado, já que em muitas dessas igrejas é apenas um líder que comanda e não há prestação de contas.


O programa abordou diversos assuntos chegando a comentar de casos que tomaram grandes proporções no Brasil. No final Romeiro define porque a corrupção está tão infiltrada no meio evangélico: "Hoje as igrejas se preocupam mais com o carisma do que com o caráter".
 


Postado por:Evandro Del Grande

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O sujo falando do mal lavado

Magali do Nascimento Cunha


Estamos assistindo, nesta semana, a mais um capítulo não-inédito do espetáculo da religião nas mídias: a reportagem de Marcelo Rezende (e toda a repercussão dela), veiculada no programa Domingo Espetacular, da Rede Record, na noite do último 18 de março, que denunciou supostas práticas de uso ilícito das arrecadações financeiras da Igreja Mundial do Poder de Deus, especialmente da parte do líder maior, o apóstolo Valdemiro Santiago.

Explicar o porquê dos termos-chave da frase que abre este pequeno artigo - capítulo não-inédito, espetáculo, religião nas mídias - é, ao mesmo tempo, buscar compreender o significado deste componente do cenário evangélico no Brasil.


Capítulo não-inédito
Denúncias e ataques que envolvem lideranças religiosas que têm presença nas mídias não são novidade: no rádio são muitos os exemplos de pregadores referindo-se negativamente a outros, há várias décadas; na TV, exposição pública mais destacada por conta das imagens, o fato considerado mais marcante aconteceu em 1995: o desencadeamento de uma série de ataques, da Rede Globo contra o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O bispo Macedo e a IURD já haviam sido alvo reportagens-denúncia em 1989, pouco tempo depois da aquisição da TV Record (1987), no programa Documento Especial, da Rede Manchete, e de uma série de matérias no mesmo teor em vários veículos, com acusações de desvio e lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito com arrecadações financeiras da igreja.

Quando, em 1992, o bispo Macedo foi preso com acusações de charlatanismo, curanderismo e envolvimento com o tráfico de drogas, as mídias deram farta cobertura. Em 1995 a Rede Globo dá início aos ataques à IURD e ao bispo com reportagem-denúncia no Jornal Nacional sobre a exploração dos fieis com os dízimos e ofertas da igreja, processo que culmina com a veiculação da minissérie de ficção "Decadência", sobre a vida de um pastor evangélico corrupto e devasso, identificado explicitamente com Edir Macedo. Esse foi também o ano do episódio do "chute na santa", que rendeu novas matérias críticas à IURD e ao bispo: durante a edição do programa de TV O Despertar da Fé, pela Rede Record, no ar no feriado de 12 de outubro, um dos bispos, de nome Sergio von Helder falou contra a figura de Nossa Senhora e deu chutes numa imagem da santa colocada no estúdio. A Globo se torna a "inimiga número um" da IURD e do bispo Macedo, e a programação da Rede Record tornou-se espaço de contra-ataque. Em 2009, a Globo desfere novos ataques contra a IURD, com matéria no Jornal Nacional que classifica seus líderes como máfia. O duelo ganhou terreno com repercussão em outras mídias.

Em 2002, foi a Igreja Renascer em Cristo o alvo de críticas nas mídias, especialmente das mesmas Organizações Globo. A partir de matérias-denúncia, de capa, publicadas na Revista Época, da Editora Globo, em duas semanas consecutivas, com repercussão em jornais, no rádio e na TV, a Renascer e seus fundadores, o casal Estevam e Sônia Hernandes, passam a ser alvo de matérias-denúncia quanto a desvio dos fundos arrecadados pela igreja e pela fundação que leva o mesmo nome. Em 2006, a Justiça bloqueou os bens do casal com acusações de estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Os episódios culminaram, no ano seguinte, com a prisão do casal Hernandes nos Estados Unidos, para onde viajaram com valores em espécie não declarados. Houve ampla cobertura das mídias ao fato. Eles foram julgados pela acusação de contrabando de divisas, conspiração e falso testemunho e ficaram presos por 140 dias, passaram cinco meses em prisão domiciliar e mais um período em liberdade condicional. Estevam e Sônia Hernandes foram liberados e voltaram ao Brasil em 2009, mas continuam respondendo a processos no Brasil por ilegalidade na gestão financeira da igreja.

O capítulo desta semana, portanto, não é inédito, como também não é inédito que personagens religiosos midiáticos protagonizem combates entre si. Em 2010, entrando por 2011, os embates entre o bispo Macedo e o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia se intensificaram e tiveram espaço na TV, no rádio e na internet por meio dos sites e blogs dos religiosos, de vídeos no Youtube e das redes sociais com manifestações de partidários. Em 2011, a Record reforçou a disputa com matéria no programa Domingo Espetacular, de 13 de novembro, com crítica à prática de "cair no Espírito", ou "Bênção de Toronto", respeitada e adotada por vários grupos evangélicos. Nessa etapa de confrontos, outros religiosos midiáticos também foram envolvidos, como o pastor do Ministério Tempo de Avivamento e deputado federal Marcos Feliciano, até os cantores gospel, classificados por Edir Macedo como "endemoniados". Não é surpresa que o pastor Silas Malafaia tenha se pronunciado, de imediato, pela Internet, sobre a matéria deste domingo, 18 de março, não isentando Valdemiro Santiago, mas acusando o bispo da IURD com a seguinte frase: "O resumo da historia é este: o sujo falando do mal lavado. Todos farinha do mesmo saco".

A matéria do Domingo Espetacular contra a Igreja Mundial deixa claro que o apóstolo Valdemiro Santiago, pastor dissidente da IURD, tem por prática pregar contra a IURD e fazer acusações contra o bispo Edir Macedo em seus programas na TV. Durante os dias posteriores ao programa da Rede Record, Valdemiro Santiago tem apresentado sua defesa, garantido aos fieis da igreja que já entrou com processo contra a Rede Record para obter direito de resposta e desferido novos ataques à IURD e ao bispo Macedo, a quem trata como "eles".


A lógica do espetáculo
Estas constatações nos levam a um outro termo usado na primeira frase deste texto: espetáculo. Não se pode assistir a estes acontecimentos sem ter a compreensão de que eles são um espetáculo, uma demonstração pública, o sentido mais lato do termo. O filósofo Guy Debord chama atenção para isto em sua análise da sociedade contemporânea: o espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. Dessa maneira, por meio da ação das mídias, as relações entre as pessoas transformam-se em imagens e espetáculos. O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.

Segundo Debord, tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação. Por exemplo, a violência, uma das faces mais cruas do relacionamento humano, entra nas casas por meio de imagens-espetáculo, assim como a sexualidade ou o convite ao consumo de bens e serviços e as pessoas-espetáculo (as celebridades). Dar espetáculo é provocar, convidar ao consumo de conteúdos; por vezes, o escândalo é uma forma espetacular de atrair audiência e consumidores de conteúdos. Programas que expõem brigas de família ou fatos inusitados que envolvem a vida de celebridades atraem um público significativo.

Com a religião nas mídias não é diferente: esta presença se consolida na trilha cultura das mídias, que é a lógica do espetáculo: os milagres , os exorcismos, os cultos-imagem, a exposição dos religiosos espetaculares, e... as brigas e os fatos inusitados... Tudo isto em torno da lógica midiática que passa pela visibilidade dos emissores e a captação de receptores, e, consequentemente, de consumidores. Afinal, as mídias são veículos da "indústria cultural", termo nascido em meados do século XX para denominar a lógica que rege o lugar social das mídias. Nos tempos de hoje, mais coerente é nomear o fenômeno como "mercado cultural", já que ele não passa somente pela indústria e a venda de produtos mas também de serviços e todos os derivados.


A religião de mercado
Religião midiática é mercado cultural, é religião de mercado. A fé, nesse caso, é uma produção ao redor da qual circulam produtos, bens e serviços, oferecidos para financiar a presença dos grupos que têm poder financeiro nas mídias, e as consequentes ampliação de visibilidade e busca de hegemonia no cenário religioso. No sentido estabelecido pela sociedade do espetáculo em que para ser visto, conhecido e acreditado é preciso estar nas mídias, grupos religiosos já são formados com esta compreensão e com este projeto pastoral de visibilidade social e ocupação de espaços, tendo seus públicos-alvo previamente determinados. Não é difícil visualizar, no crescimento da presença midiática da Igreja Mundial, que Valdemiro Santiago é discípulo de Edir Macedo e dos outros líderes da IURD e, na prática, segue seus passos.

Na lógica do mercado cultural cabe a concorrência, o uso do espaço para minar concorrentes e ganhar a apoio do público (audiência). Não é preciso recordar as análises sobre os casos Globo-IURD e Globo-Renascer que classificaram os embates como de concorrentes. Não foi à toa que, no caso Renascer, em 2002, o SBT abriu imediato espaço no Programa de Gugu, no mesmo domingo 20 de maio, para Estevam Hernandes apresentar sua defesa. Concorrência é valor do mercado.


Discernindo...
O que assistimos nesta semana é nada menos do que mais um episódio da prática da concorrência de mercado tanto midiático quanto religioso. O que parece ser um duelo entre líderes e preceitos religiosos é, de fato, um duelo pela conquista de visibilidade, de espaço, em busca do público consumidor. E isto coloca a religião num patamar que, talvez, não estivesse na sua razão de ser (o re-ligar o ser humano ao divino), mas que é construído socialmente a partir dos sentidos estabelecidos pela sociedade do espetáculo: religião torna-se bem de mercado, elemento de barganha, estratégia de marketing. E assim, como se diz no popular, tudo isto "torna-se briga de cachorro grande" pois extrapola o espaço do estritamente religioso, uma disputa entre grupos religiosos, no caso, pentecostais, e ganha dimensões mas amplas.

Por exemplo, quando um personagem por vezes protagonista, por vezes coadjuvante, como o pastor Silas Malafaia, que assume o papel da pessoa controvertida em todo este contexto e constrói sua imagem midiática como "aquele que diz as verdades", é convidado para uma conversa com o vice-diretor das Organizações Globo, João Roberto Marinho, temos um sinal do patamar em que se encontra a religião nas mídias. Segundo depoimento do pastor depois da conversa (Revista Piauí, 66, set 2011), Marinho teria alegado precisar conhecer mais o mundo dos evangélicos já que a emissora teria percebido que Edir Macedo não seria "a voz" dos protestantes no Brasil. O pastor Malafaia ganhou, então, trânsito em um canal de destacado de comunicação e já teve cinco aparições no programa de maior audiência da Rede Globo, o Jornal Nacional. Além do contato com Malafaia, as Organizações Globo, por meio da gravadora Som Livre, já contrataram grandes nomes do mercado da música evangélica que têm, a partir daí, espaço garantido na programação da Rede Globo, e tiraram da Rede Record o evento de premiação dos melhores da música evangélica, o Troféu Promessas (o que talvez explique a referida classificação de "endemoniados" aos cantores, incluída a popular Ana Paula Valadão). Vamos estar atentos agora aos próximos passos neste interessante embate pela hegemonia nas mídias, tendo como barganha a religião.

Criticar Edir Macedo e Valdemiro Santiago e classificar de "baixaria" ou de "falso testemunho" o que assistimos nesta semana, com prorrogação certa por outras tantas, e inserir novas denúncias a uma ou a outra parte do duelo, é muito pouco e é desviar do ponto que dá sentido a este capítulo não-inédito, que não é isolado, como vimos, dentro deste processo da relação entre religião e sociedade. Quem se interessa por este cenário social, por motivações religiosas ou acadêmicas, é desafiado a desenvolver uma visão macro e reivindicar atitudes dos produtores midiáticos, religiosos ou não, que passem pelo campo da ética - a ética nas mídias e a ética na religião - senão estaremos fadados a ver cumprida "a profecia" de Dostoievski, registrada no conto "O Grade Inquisidor" (no livro Os Irmãos Karamazov).

Na história, Cristo volta à terra e é interpelado por um líder cristão com críticas: Cristo não deveria ter voltado trazendo de novo aqueles valores de misericórdia e justiça e andando no meio do povo apregoando-lhe a liberdade. O líder pergunta a Cristo por que voltou para atrapalhar o que a igreja estava fazendo: "Fica sabendo que jamais os homens se acreditaram tão livres como agora, e, no entanto, eles depositaram a liberdade humildemente a nossos pés". O líder religioso, então, acusa Cristo de haver fracassado na sua missão por ter recusado a tentação do deserto: não distribuiu pão (milagres) para atrair público, não realizou espetáculos (jogar-se do pináculo do templo para ser aparado por anjos) e não aceitou as riquezas do mundo que lhe dariam glória e poder facilmente. No conto, o líder religioso diz que agora a igreja estava consertando esse erro que Cristo cometeu porque era perda de tempo esperar discípulos por amor: as pessoas querem mesmo é encontrar Deus por meio do pão, dos milagres, das maravilhas e do poder econômico. Por isso, no conto, Cristo é preso novamente.

Ética nas mídias e ética na religião: quem se habilita?

Magali do Nascimento Cunha, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade Metodista de São Paulo (Faculdade de Teologia e Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação), autora do livro "A Explosão Gospel. Um Olhar das Ciências Humanas sobre o cenário evangélico contemporâneo" (Ed. Mauad).

Fonte: Metodista
http://www.metodista.br/fateo/noticias/reflexoes-sobre-a-disputa-rede-record-x-apostolo-valdemiro-santiago/view